Tradições religiosas nas senzalas de Machadinha
Texto: Orávio de Campos
Fotos: Wellington Cordeiro
Quem teve sensibilidade de olhar em direção à Cadeia do Mar, do espaço aberto entre os tabuleiros de canas que cercam Machadinha - importante sitio arqueológico do país e situado em Quissamã - pode divisar as nuvens cinzentas se formando na moldura das montanhas lá para as bandas do oeste, enchendo de esperanças de chuvas propícias para animar a lavoura e amainar a canícula de sol a pino.
Aconteceu no sábado, primeiro dia de março. Artistas da fotografia clicaram pelas cercanias registrando ora paisagens de casarões em ruínas, ora detalhes da bem cuidada praça. Alunos pesquisadores do NIPEC/UNIFLU/FAFIC, estudaram antigas senzalas e conversaram com a população nelas inserida, enquanto preparavam cenas para um documentário sobre as tradições afro-brasileiras.
A missão era a de contribuir para a (re) construção do antigo terreiro dedicado ao Pai Oxossi, representação pós-moderna das tradições religiosas dos negros oriundos de Angola e de outras regiões do Golfo da Guiné, apesar de se reconhecer o quão forte era o catolicismo barroco praticado pelos senhores do engenho, no altar da igreja dedicada à Nossa Senhora do Patrocínio, datada de 1833.
CASA DOS ORIXÁS – A teoria de Paul Veyne, no livro “Como se escreve a história”, (UnB, 4ª Edição/1998), fala sobre as lacunas que precisam ser preenchidas pelos pesquisadores, uma vez que não se recupera o passado na totalidade, mas apenas seus fragmentos. E ai pode-se imaginar que, durante a escravidão, os negros, em noites de heresia, desenvolvessem rituais aos seus santos de cabeça.
A possibilidade é apenas rizomática (Veyne) mas existiu, em Machadinha, um culto de candomblé, provavelmente da nação Gêge ou mesmo da Nagô e/ou Jexá. O terreiro da babá Guilhermina Rodrigues de Azevedo, conhecida por Dona Cheiro, 66 anos de preservação da religiosidade de Machadinha, é apenas uma continuação, com o feitio de Umbanda - instância de densidade essencialmente brasileira.
Fechado há 16 anos, o templo de Pai Oxossi, é uma referência histórica que compõe o cenário das senzalas. Com a recuperação das tradições sociais do lugarejo, o que ainda ocorre pela sensibilidade do poder executivo do município, seu espaço, com o nome de Casa das Tradições Religiosas Afro-Brasileiras de Machadinha, deveria ser mantido em nome da cultura, ainda existente no local, mas em estado residual.
A pedagoga Neusimar da Hora, que, juntamente com a universitária Jovana Patrícia Barcelos da Hora, dirigiu a celebração do reinicio das atividades do terreiro, disse: “Não podemos imaginar a reforma de Machadinha sem um espaço de suas tradições religiosas de raiz”. O ato, presenciado por fotógrafos, estudantes e jornalistas, contou com improvisação de um altar dedicado a Pai Oxossi.
Da “casa” das oferendas fluíram imagens desbotadas pelo tempo. São Sebastião, São Jorge Guerreiro e “figuras” de chão - exus na tradição de Umbanda. Uma gira foi celebrada com cânticos ao patrono, a Ogum, a Iemanjá e a outros orixás, destacando-se o final dedicado às almas, tendo como ogã oficial o Waldecy dos Santos, cujas mãos pareciam conhecer, de cor, o espaço sagrado do tambor.
CLIMA DE MAGIA – A chuva acabou não caindo nas terras de Quissamã. Apenas chuviscos como lágrimas de natureza dedicadas às sombras adejando no ambiente com suas túnicas douradas e azuis. Do lado do casarão, arriado ao peso dos anos e mostrando que os impérios também caem ao fragor das ondas temporais, vêm gritos penitentes, ou, talvez, o efeito do vento soprando nas árvores.
Ao entardecer, uma cortina negra fechou no horizonte o cenário de mais um dia que passou. A noite de luar minguante não custou a chegar e, no silêncio das senzalas de Machadinha, que nunca ruíram de cansaço porque as descendências se encarregaram de manter-lhes a vida palpitante, ficaram as lembranças mais sentidas e, de longe, a impressão de se ouvir tambores rufando fortes em tempo de magia.
(Núcleo de Iniciação à Pesquisa Científica em Comunicação – UNIFLU/FAFIC)
Texto: Orávio de Campos
Fotos: Wellington Cordeiro
Quem teve sensibilidade de olhar em direção à Cadeia do Mar, do espaço aberto entre os tabuleiros de canas que cercam Machadinha - importante sitio arqueológico do país e situado em Quissamã - pode divisar as nuvens cinzentas se formando na moldura das montanhas lá para as bandas do oeste, enchendo de esperanças de chuvas propícias para animar a lavoura e amainar a canícula de sol a pino.
Aconteceu no sábado, primeiro dia de março. Artistas da fotografia clicaram pelas cercanias registrando ora paisagens de casarões em ruínas, ora detalhes da bem cuidada praça. Alunos pesquisadores do NIPEC/UNIFLU/FAFIC, estudaram antigas senzalas e conversaram com a população nelas inserida, enquanto preparavam cenas para um documentário sobre as tradições afro-brasileiras.
A missão era a de contribuir para a (re) construção do antigo terreiro dedicado ao Pai Oxossi, representação pós-moderna das tradições religiosas dos negros oriundos de Angola e de outras regiões do Golfo da Guiné, apesar de se reconhecer o quão forte era o catolicismo barroco praticado pelos senhores do engenho, no altar da igreja dedicada à Nossa Senhora do Patrocínio, datada de 1833.
CASA DOS ORIXÁS – A teoria de Paul Veyne, no livro “Como se escreve a história”, (UnB, 4ª Edição/1998), fala sobre as lacunas que precisam ser preenchidas pelos pesquisadores, uma vez que não se recupera o passado na totalidade, mas apenas seus fragmentos. E ai pode-se imaginar que, durante a escravidão, os negros, em noites de heresia, desenvolvessem rituais aos seus santos de cabeça.
A possibilidade é apenas rizomática (Veyne) mas existiu, em Machadinha, um culto de candomblé, provavelmente da nação Gêge ou mesmo da Nagô e/ou Jexá. O terreiro da babá Guilhermina Rodrigues de Azevedo, conhecida por Dona Cheiro, 66 anos de preservação da religiosidade de Machadinha, é apenas uma continuação, com o feitio de Umbanda - instância de densidade essencialmente brasileira.
Fechado há 16 anos, o templo de Pai Oxossi, é uma referência histórica que compõe o cenário das senzalas. Com a recuperação das tradições sociais do lugarejo, o que ainda ocorre pela sensibilidade do poder executivo do município, seu espaço, com o nome de Casa das Tradições Religiosas Afro-Brasileiras de Machadinha, deveria ser mantido em nome da cultura, ainda existente no local, mas em estado residual.
A pedagoga Neusimar da Hora, que, juntamente com a universitária Jovana Patrícia Barcelos da Hora, dirigiu a celebração do reinicio das atividades do terreiro, disse: “Não podemos imaginar a reforma de Machadinha sem um espaço de suas tradições religiosas de raiz”. O ato, presenciado por fotógrafos, estudantes e jornalistas, contou com improvisação de um altar dedicado a Pai Oxossi.
Da “casa” das oferendas fluíram imagens desbotadas pelo tempo. São Sebastião, São Jorge Guerreiro e “figuras” de chão - exus na tradição de Umbanda. Uma gira foi celebrada com cânticos ao patrono, a Ogum, a Iemanjá e a outros orixás, destacando-se o final dedicado às almas, tendo como ogã oficial o Waldecy dos Santos, cujas mãos pareciam conhecer, de cor, o espaço sagrado do tambor.
CLIMA DE MAGIA – A chuva acabou não caindo nas terras de Quissamã. Apenas chuviscos como lágrimas de natureza dedicadas às sombras adejando no ambiente com suas túnicas douradas e azuis. Do lado do casarão, arriado ao peso dos anos e mostrando que os impérios também caem ao fragor das ondas temporais, vêm gritos penitentes, ou, talvez, o efeito do vento soprando nas árvores.
Ao entardecer, uma cortina negra fechou no horizonte o cenário de mais um dia que passou. A noite de luar minguante não custou a chegar e, no silêncio das senzalas de Machadinha, que nunca ruíram de cansaço porque as descendências se encarregaram de manter-lhes a vida palpitante, ficaram as lembranças mais sentidas e, de longe, a impressão de se ouvir tambores rufando fortes em tempo de magia.
(Núcleo de Iniciação à Pesquisa Científica em Comunicação – UNIFLU/FAFIC)
* Trabalho realizado durante o passeio fotográfico em Quissamã promovido pela Casa da Fotografia de Campos. É um exemplo da fotografia aliada ao trabalho de pesquisa acadêmica.
Um comentário:
Passado... presente... futuro...
Que haja muita Luz e Alegria em Machadinha...
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